Muito Além da Vida | T01E04: "Viva a Diferença"


Uma obra de: Ricardo Frugoli

Disponível no Google Drive / para baixar em PDF:


4º episódio
“Viva a Diferença”

ÂNGELO:
Mas eu não sabia...nem desconfiava....que você
era......assim..

ALBERTO:
É como diz aquela música da Gal:
”Eu nasci assim eu cresci assim....”

ÂNGELO:
Assim?(dá uma desmunhecada)

ALBERTO:
Assim.(faz pose de assistente de palco apontando)

ÂNGELO:
Mas não dava pra notar..imaginar uma coisa....assim.
(desmunheca de novo)

ALBERTO:
Queria que eu andasse uma faixa de “irmão gay” na testa,
pra facilitar a identificação?

ÂNGELO:
Mas você nunca falou nada... E você era um sujeito bonito,
as meninas se amarravam em você.

ALBERTO:
Pra ver como são as coisas. E eu percebi que me amarrava em
oooutras coisas.

ÂNGELO:
Mas você pegou um monte de mulher que eu lembro.

ALBERTO:
Ué, claro. Quando eu gostava, gostava até o caroço.
Mas ai me descobri neste outro universo.

ÂNGELO:
O universo gay, você quer dizer.

ALBERTO:
Sim, porque, qual o problema?
Tá com nojinho do irmão?

ÂNGELO:
Não cara, que isso. Se tivesse contado eu jamais te
discriminaria. Sempre convivi numa boa com essas
diferenças. Tinha até um cara na minha banda que o
namorado dele ia nos ensaios e tudo mais.

ALBERTO:
Que bonito saber disso, que você era uma pessoa evoluída
nestas questões. Mas vem cá, esse meio artístico é muito
aberto, liberal né? Você nunca teve vontade de experimentar
algo diferente?

ÂNGELO:
Que isso, tá me estranhando? Sou 150% hetero.Pegava geral
a mulherada e pretendo continuar assim nas minhas próximas
vidas.

ALBERTO:
Tava brincando com você,bobinho.

ÂNGELO:
E a Tia, ela sabia?

ALBERTO:
No começo não, e por alguns anos eu fiquei sem saber como
chegar nela e contar. Eu achava que a expectativa dela
com a gente, 2 meninos, seria casarmos e termos pencas de
filhos.

ÂNGELO:
Mas e ai, contou ou não contou?

ALBERTO:
Depois que você morreu ela ficou muito abalada.
Isso me aproximou muito dela e comecei a ir lá mais vezes.
Num domingo, que fui almoçar com ela,resolvi contar:
“Tia, preciso contar uma coisa mas não sei como a
senhora vai reagir. Não posso mais guardar isso comigo.
Depois da morte do Ângelo eu aprendi que a vida é muito
curta e incerta para a gente não dividir as coisas
realmente importantes com quem amamos.”
Ela ficou me olhando por cima dos óculos e depois disse:
“Meu filho, está tudo bem. Pode trazer seu namorado pra
almoçar aqui em casa. Eu sempre soube bobinho. Mas como
você sempre foi um menino comportado sabia que não iria se
envolver em encrencas. E na hora certa para você, sabia
que viria me contar.”

ÂNGELO:
A velha sabia.

ALBERTO:
A velha sabia. E saber que ela sabia e aceitava numa boa
me tirou uma tonelada de culpa das costas.

ÂNGELO:
É, mas eu que falhei nesse caso. O único membro hetero da
família e não casei, nem tive filhos.

ALBERTO:
Quem disse que não?

ÂNGELO:
Quando eu tomava, fumava e cheirava todas fiz muita
loucura. Mas casar não está na minha lista de maiores
loucuras cometidas. E olha que eu já acordei dentro duma
geladeira desligada.

ALBERTO:
Você não casou, mas filho, quer dizer, filha, eu sei que
você teve.

ÂNGELO:
Mas como você ficou sabendo?

ALBERTO:
Algum tempo depois que você morreu, fui procurado por uma
moça que você conheceu, a Carmem. Ela me contou que
trabalhava no estúdio onde sua banda gravava as músicas.
Vocês se conheceram, houve uma festa, vocês ficaram juntos
e voilá, bebê a bordo.

ÂNGELO:
Lembro dela sim, mas quando isso aconteceu?

ALBERTO:
De acordo com ela foi uns 3 meses antes do acidente.
Quando você morreu, ela queria que nossa família soubesse
da criança.

ÂNGELO:
Logicamente para tirar vantagem encima...

ALBERTO:
Errado mocinho. Ela me disse que não precisava de nenhuma
ajuda, mas pensou na nossa família, como devíamos estar
enfrentado a sua falta e que isso poderia diminuir o nosso
sofrimento.

ÂNGELO:
Ela fez isso mesmo?

ALBERTO:
Fez sim.

ÂNGELO:
Caramba. Isso muda tudo. E ao mesmo tempo nada. Não pude
conhecer a minha filha. Ela deve estar adulta.

ALBERTO:
Está sim. Eu fui padrinho de batizado dela.
Sempre tivemos contato. E tem mais.

ÂNGELO:
Mais?

ALBERTO:
Ela se casou 5 anos atrás.

ÂNGELO:
Caramba, virei um sogro. Putz, logo eu.

ALBERTO:
E avô também.

ÂNGELO:
Parou! Repete isso ai beeem devagar.

ALBERTO:
Nooossa, mas uma palavrinha tão pequenininha e você não
entendeu. Quer que soletre?

ÂNGELO:
Eu, a-vô? Tá rindo porque não é com você.
De uma sentada descobri que morri, fiquei 30 anos no
purgatório....

ALBERTO:
Umbral.

ÂNGELO:
Tá, umbral. Agora descubro que tive uma filha, que casou
e também teve um filho.

ALBERTO:
Filha. Você teve uma neta.

ÂNGELO:
Pois é. Virei morto, pai, sogro e avô de uma vez.

ALBERTO:
De uma vez não. Demorou uns 30 anos para tudo acontecer.

ÂNGELO:
Mas pra mim foi agora. Mas quer saber? Você tá certo.
Manda.

ALBERTO:
Como é?

ÂNGELO:
Você tá certo, tá pouco. Manda o resto.

ALBERTO:
Que resto, criatura?

ÂNGELO:
Deve ter mais coisa pra você me falar. Pode falar.
Eu agüento!

ALBERTO:
Você tá doido?

FiM do 4º episódio

continua

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Iron Woman | T01E07 - "Conspiração"